sexta-feira, janeiro 26, 2007

como é que se esquece alguém que se ama

“Quando tu sentires uma grande raiva de estar preso a alguém e desejares a toda a hora, ver-te livre da pessoa e quanto mais fazes por ver-te livre dela, mais a ela te chegas, então gostas. Mas quando só sentes uma grande paixão e não pensas noutra coisa, estás convencido que gostas, mas não gostas…”

Jorge de Sena, do livro “ Sinais de fogo “

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está lá? As pessoas têm que morrer os sítios têm de acabar, as pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?

Devagar. É preciso esquecer devagar.
Se uma pessoa tenta esquecer de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixarias, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte da cura é aceitar que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos em tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor de cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na Alma.
A saudade é uma dor que só pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso primeiro aceitar, (…) esta mágoa, este moinho que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo.
É preciso aceitar o amor e a morte; a separação e a tristeza; a falta de lógica e a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados, se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa, nem remédio, nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos, mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se tudo na Alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte.
Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'



1 comentário:

dream_brother disse...

na gostei..na concordo...e pronto tá dito..mas mais uma vez, já tu o devias saber...enfim, feitios;)