segunda-feira, outubro 30, 2006

ovos com salsichas ou comida requentada


Cozinhar?!? Mas quem é que achou que eu sabia cozinhar? No máximo, desenrasco-me com os tachos e panelas ao ponto de conseguir enganar o meu estômago. Mas por outro lado também não se alegrem muito, porque neste campo não sou muito díficil de contentar. Fazer culinária e fazer comida não é bem a mesma coisa. Eu desenrasco-me e mal com a segunda, por isso, pode muito bem sair sempre uns ovos com salsichas ou então uma comida requentada.

Eu bem sei que é preciso fazer uma refeição para inaugurar a casa, mas se calhar a melhor opção é ir ao baú das formulas antigas e reaquecer um tacho.

Observem pois a seguinte receita. Já tá a ficar um clássico. Volta e meia torno a ela.

A partir de uma certa proximidade física a visão fica turva e desfocada e de nada nos serve. Resta-nos então apelar aos outros sentidos: à audição, ao olfacto, ao tacto e até mesmo ao paladar.
A partir de uma certa proximidade emocional todos os sentidos ficam turvos e desfocados, a voz falha e o coração dispara. Resta-nos seguir o murmurinho da alma.
Fui eu que me aproximei demasiado de ti ou deixei-te aproximar em demasia?
Porventura amo-te mais do que deveria e no entanto sinto que te amo menos do que queria.


Em nota final: preparem a receita em lume brando, caso contrário para os mais incautos que abusam do lume forte, cuidado com as queimaduras. Depois não digam que não avisei. A proximidade queima.

uma janela para a rua


E uma casa nova significa uma vista nova, uma perspectiva modificada do mundo. Ou se calhar até acaba por ser a mesma, ligeiramente diferente, ligeiramente desfocada, ligeiramente retocada.
Donde estou abro uma janela. Não interessa bem de que tipo, se de guilhotina ou de batente, se de sacada ou de peito, ou mesmo uma serliana ou até uma termal. Gostava que fosse uma janela de conversação, como aquelas que a gente vê nos mosteiros, antigas, com acentos para duas pessoas, com segredos guardados nas pedras dos umbrais, próprias de quem ouve e cala. Mas ia ser sempre uma conversação solitária.

Debruço-me então sobre a janela. De facto, a paisagem não é assim tão diferente. Podemos mudar de lugar, mas o mundo só gira sobre si mesmo, e ignora-nos, como se ignora a quem é realmente insignificante.
A paisagem é a mesma paisagem banal. Nem as cores são Technicolor e brilhantes, nem os cães ladram afinados em Dó maior, nem os gelados sabem mais a chocolate, nem a relva é mais suave, nem as flores cheiram melhor...

A porta de trás dá para um outro lugar, e a paisagem não é assim tão diferente. Talvez fosse pedir um pouco demais, que com uma simples janela tudo mudasse, tudo se resolvesse. Talvez uma nova vista despertasse algo novo, mas também nem tudo é tão bom, nem tudo é tão mau.
Até gosto deste novo quadro, desta nova janela. Vou aqui ficar enquanto a noite cai, à espera que surjam primeiras estrelas no tecto celeste.
Mas eu até gostava mesmo era que fosse uma janela de conversação, era pena...

caixas de cartão


Mudança de casa... para uma casa ainda em obras. Nunca há tempo, mas há sempre obras. Ainda não acabamos de fechar umas gavetas e já estamos a abrir outras. E o resultado, não podia ser outro senão uma profunda desordem, mas à qual acabo por já me ir habituando. Vamos arrumando as coisas como podemos. Pegamos nas nossas tralhas, nas nossas histórias de vida, pegamos nas nossas marcas,nas nossas vitórias, nas nossas feridas, enfim, em tudo aquilo que nós faz aquilo que somos hoje. Pegamos num pouco de nós e primeiro embrulhamos em papel de jornal, como uma qualquer coisa frágil, e depois guardamos numa caixa de cartão.

Há quem de facto tenha muito jeito... para isto. Para se retalhar e guardar pedaços de si em caixas. Isto vai para aqui, aquilo vai para ali e isto, finalmente este fica mesmo naquela caixa de cartão daqueles velhos ténis que comprei no ano passado. Assim as coisas não se cruzam, não se pegam, não colidem umas com as outras.

Eu no entanto nunca tive esse dom. Tenho sempre tudo espalhado pelo chão de minha casa, a roupa, os papéis, os livros, num grande puzle, numa confusão anárquicamente organizada, da qual só eu tenho a chave para a desodificar... e às vezes nem sempre. De noite de haver alguém que à socapa e de mansinho para não me acordar, entre em minha casa e re-baralhe os objectos, de forma a que eu de manhã tenha sempre que conferir e ver se ainda entendo a (des)ordem geral do meu mundo.
Nos entretantos, de uma forma melhor ou pior, vou-me entendendo assim, vou gerindo este caos, talvez à espera não sei de que, não sei de quem, nem sequer quando. Talvez de encontrar uma chave qualquer de forma a que tudo faça sentido.

Talvez por isso me seja dificil arrumar tudo em caixas, fechar gavetas. Talvez porque eu tenha sempre a sensação de estar prestes a descobrir uma chave, uma equação, uma fórmula segundo a qual tudo faria sentido, mas essa ordem mágica, invariávelmente está sempre errada, ou pelo menos imcompleta.

Mas para mudarmos, para (re)começarmos tudo de novo(e ninguém começa tudo de novo), temos que desfazer este puzle incompleto, fechar as gavetas, arrumar tudo em caixas e etiquetá-las devidamente, talvez se calhar para nunca mais as abrirmos.
Acaba por ser uma maneira de seguir em frente, mas... arrumar a vida em caixas de cartão?