sexta-feira, fevereiro 08, 2008

porque agora sou trintinho...

Nem Freud explica
Ou o que as mulheres querem dos homens depois dos 30.

Laura olha pela janela do comboio e pergunta me o que há para além do rio. Respondo convicto: «O resto do país. E rio me por dentro com a minha piada de gosto duvidoso. Laura não ri da gracinha.

Aliás, Laura não ri. Nunca. Faz parte do seu show manter um eterno ar enigmático, como se estivesse sempre a acabar de ouvir uma grande verdade metafísica. Era esse inclusive um dos seus grandes problemas: ela levava se muito a sério e, consequentemente, a todos que conhecia. Ainda me lembro da noite em que derrubei uma banana flambada ainda acesa no seu vestido verde musgo em meio ao copo d'água de um casamento de um casal razoavelmente desconhecido. Por algum motivo, Laura não só não achou graça na coisa como ainda ficou uns dias sem falar comigo. 863 dias para ser mais exacto.

Falta pouco para chegarmos a Lisboa. Laura tem o semblante carregado, pergunta se o que deu errado. Se pelo menos ela verbalizasse a questão, eu poderia responder: "Nada, nada, nada". Ou «tudo, tudo, tudo (a verdade, às vezes, depende do freguês).Encontramo nos a primeira vez há muitos anos. Laura, por aquela altura, lembrava muito a jovem Nastassja Kinsky. Hoje em dia, é difícil saber. Há uma década que não vejo uma foto actualizada da bela Nasassja. Laura agora tanto pode parecer com ela como com uma tia distante da menina. Mas, sim, ainda é bonita.
Laura não casou nem teve filhos, atrapalhada que estava com os homens e com a vida (não necessariamente nessa ordem). Houve um tempo em que acreditou que estava apaixonada por mim, mas era um equívoco (eu, não a paixão). Mas isso era coisa do passado. Como quase todos os equívocos eram agora coisas do passado. Com quase 40 anos, Laura já não tinha tempo, nem líbido, para se equivocar com os homens. Laura agora tinha certezas: nenhum gajo presta, todas as mulheres são vítimas e homem nunca pisou na Lua.
Laura espeta me com um olhar de reprovação. Pensa no tempo que perdeu comigo e tem vontade de bater me. Eu penso no tempo que perdi comigo e concluo que mereço apanhar até cair e me afogar numa poça do meu próprio sangue.

Eu tenho esse problema com as mulheres. Sempre acho que a culpa é minha. Mesmo que, na maior parte das vezes, apenas tenha reagido ao facto delas terem decidido ficar comigo. Entreguei me sempre fácil e docilmente para só algum tempo depois pedir o meu corpo de volta, alegando que precisava dele para trabalhar e fazer outras coisas (e olha que o corpo nem é lá grande coisa, embora já tenha acabado de pagar o leasing). Elas porém, sem nenhuma excepção, sentiram se sempre traídas e abandonadas por um pulha. Não é bem assim.

O caso da Laura, por exemplo. O sonho dela era casar com um fulano igual ao Fernando (que é casado com a Lígia, nossa amiga comum). Ela queria alguém tão atencioso como o Fernando; tão educado como o Fernando; tão simpático como o Fernando; tão Fernando como o Fernando. O problema é que eu não sou o Fernando (fora o próprio Fernando, ninguém é). Levei vários meses e muito verbo para convencer Laura disso. Até hoje ela acha que foi má vontade minha, que com um pouco de esforço eu chegava lá. Não chegava. Até porque não queria realmente ir a lado algum.«0 que as mulheres querem?, perguntava se Freud, entre uma e outra dose de ópio. As mulheres querem formatar os seus homens. Mas a vida não é bem assim. Ou elas apanham os tipos na mais tenra idade, quando ainda são meio bananas, ou podem esquecer da tarefa. Depois dos trinta e meios os homens congelam o carácter. No máximo, pioram no (melhorar, nem pensar). Daí que dificilmente um solteirão de trinta e tantos, daqueles que nunca deram o nó na vida (que nem mesmo dividiram o apartamento tempo suficiente com uma rapariga a ponto dela pendurar as suas cuequinhas para secar na torneira do duche) traia a classe e pare numa igreja ou notário para contrair o sagrado matrimónio.

E, amiga, é triste mas é verdade: os trintões solteirões são a raça mais difícil de laçar (mais que um rinoceronte embebido em Red Bull). Eles têm autonomia financeira, a vida encaminhada, têm manias domésticas, hábitos imutáveis e se já não reproduziram, não pensam mais no assunto. Tentar repaginar um trintão é o mesmo que tentar tapar o buraco da parede de uma represa com o dedo. Mais cedo ou mais tarde a coisa estoira e você vai na enxurrada.

Laura ouve tudo isso e mal consegue controlar a sua ira. Machista é o melhor elogio que me faz. Não sei sei se já percebeu, mas em matéria de homens as mulheres são meio autistas. Se somos sinceros, não nos ouvem e ameaçam fuzilar nos. Se mentimos, mais cedo ou mais tarde descobrem e fuzilam nos a mesma.Para minha sorte, o comboio chega à estação. Laura leventa se cinematograficamente e prepara se para ir embora. Mas antes pergunta me o que haveria para além daquela despedida. Respondo convicto: «O resto das nossas vidas.Laura, mais uma vez, não ri da gracinha...


Edson Athayde
http://www.truca.pt/arquivo/trintoes.html
Texto publicado no suplemento DNA do DN de 7 de Junho de 2003

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